Talvez nunca tenha coragem ou até mesmo vontade de te enviar essa carta. Ou quem sabe essas linhas sejam para mim e não para você – não importa.
Mas o fato é que não sei em que momento
perdi o tempo do tempo.
Sai estava tudo arrumado, organizado e
quando voltei e abri a porta lembrei de Adélia Prado em Dona Doida, só
que dessa vez a doida era eu, sem ao menos saber que era.
As paredes mudaram de cor, o ar estava
mais denso, desfeito, e um pouco antes de sufocar, já com as mãos em volta do
pescoço - entendi que puxava a respiração ao contrário, não era de fora que
precisava buscar o sopro do mundo para me sustentar – e sim de dentro de mim.
Corri dali o mais rápido que pude, fugi
como vento que escapa por uma fresta com medo de ser detido. Quando meu coração
se aquietou no peito parei – olhei para trás por cima dos ombros, todos se
movimentavam no ritmo da nova música que começou a tocar após minha partida. Ninguém
se virou a minha busca, será que não deram por minha falta?
Continuei meu caminho, nem sei quanto
tempo faz que deixei aquele baile, não sinto saudades – aquela dança machucava-me
os pés e eu insisti em baila-la por muito tempo até descobrir que poderia aprender
outras.
As vezes fecho os olhos e penso
naquele tempo perdido do próprio tempo, penso em você, nos seus olhos que estão
se apagando diante dos meus, uma nevoa os cobrem, já nem sei ao certo qual a
cor deles, castanho escuro, claro, cor de mel? Será que você ainda lembra dos
meus?
Joguei as chaves daquela porta fora,
Escolhi ser eu, escolhi dançar minha
própria música, ocupar o primeiro lugar na fila, ou melhor, escolhi sair da fila,
escolhi ser única para poder ser muitas e conviver com muitos, escolhi ser a
água que apaga minhas próprias labaredas antes que queimasse no “fogo” que eu
mesma acendi.