terça-feira, 27 de agosto de 2024

Sou uma vertente oposta de mim mesma

 Sentei de frente, para me ver bem nos olhos. 

Converso comigo, 

faço várias perguntas, rápido para não me dar tempo a respostas. 


Atropelo o pensamento e me satisfaço com o vazio da fala, 

-gosto do nada que preenche meus vazios-,


Levanto e vou fazer café , - quer? 

-ofereço-me , não espero a resposta, tomo a bebida quente e forte sozinha 


-egoísta - 


adoro a cara de espanto que faço ao me ver tomar a última gota do café, pousar a xícara na pia e sair sem me olhar . 

 

Volto para sala e me chamo, 

-senta aqui- 

-sento- 


me irrita ver tamanha resiliência, nunca uma expressão de raiva - não pode ser normal.


 Falo coisas sem importância, como se vai chover, fazer sol… essas desinteressantes falas, 


- me mantenho calma e passiva, só a espera . 


Mas à espera de que, mulher ? Levanta daí, dai-me um tapa! Reage!


O sorriso em minha direção frustra a reação que espero. 


Saio e bato a porta com força e não olho para trás, para não correr o risco de me ter ao meu lado. 

domingo, 18 de agosto de 2024

Meus silêncios

Meus silêncios gritam pelas certezas que não possuo, não vejo,

-não quero ver, 

-não quero ter- 

certezas para que? 

Certezas se aprisionam em definições. Quero a dúvida, me perder, andar sem chegar, voar sem aterrizar.

Quero cair, arranhar, sangrar, sentir a dor da imperfeição, escrever e apagar quantas vezes se fizer presente a dúvida que me move a seguir na busca do que não tenho ideia do que seja, mas alimenta meu ser ávido de viver.

Desconstruí uma forma pré-moldada do meu eu, tão engessada, mas tão “perfeita” que nem sentia a paralisia causada. Padrões pre definidos , amarras sem no, prisões sem grades…

entorpecimento de uma mente livre que acreditava ser presa, mas presa por quem?

Onde será que estavam as chaves da prisão sem grades?

Por que escrevo?

Não sei, mas escrevo.

Escrevo na calmaria da minha sala, no caos da bagunça da casa por arrumar,

no meio do almoço por fazer,

Na alegria do acordar e na preguiça do dormir,

Não sei por que escrevo

Talvez por não poder não escrever

A escrita me toma e eu a ela

Me treme as pernas, formiga-me a língua, arrepia-me a nuca, dói-me a cabeça, aperta-me o coração, embaça meus olhos, transborda-me a alma, -é paixão, amor, raiva, tristeza ,alegria…-I n q u i e t a ç ã o-

Não é minha a posse da atitude, sou serva das linhas que me escorrem pelos dedos e preenchem as páginas que voam na busca de serem lidas

A palavra se impõe, se exibe, se doa

Por que escrevo?

Ainda não sei, mas sei que não posso deixar de escrever

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Minha casa

 Paro , olho em volta e nada vejo. 

Volto ao início.  Os galhos estavam secos, o jardim coberto de folhas . As árvores murchas, os frutos minguaram. “Onde será que foi parar meu pé de abacate? Meu balanço?”

A casa de cor esmaecida convida-me a entrar, no canto da sala uma cadeira de palha e uma boneca sem braço, móveis de pés palito se impõem ao centro. Tudo parece tão menor , “será a casa certa?” Sigo pelo quarto, vazio, soturno. Um pássaro sobrevoa- me a cabeça, assustei-me . Volto ao quintal. A grama cobriu metade do muro, não se via mais a toca das saúvas, será que ainda estavam lá?

Na rua o asfalto tomou conta dos paralelepípedos. Um prédio de vinte andares ocupou a vila rosa em frente .

Minha imagem refletida em um caco de espelho jogado no jardim conversa comigo, “o que veio buscar aqui?” “meu ponto de partida”, falei. O caco de espelho encara-me e pergunta , “encontrou?” 

Encostei no espaço onde outrora havia um portão, contemplei meu entorno e parti. Não estava ali o que precisava encontrar. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

O que fazer para o almoço?

 São sete e meia da manhã, - tomo meu café-, puro, quente, amargo

Em algum lugar ainda é madrugada, as pessoas dormem e eu já a pensar no que fazer para o almoço,

Observo a vida passar pela janela, meu café esfria a espera de ser tomado,

Em algum lugar ainda é madrugada, - vejo o dia enquanto alguém ainda vê as estrelas, 

Tudo me parece ao avesso, no mesmo mundo, um anda no teto outro no chão, 

O vento bate a janela, ouço pessoas, pássaros, buzinas dos carros, crianças puxadas pelas mães que gritam e ninguém me nota, sigo no café já frio, a borra no fundo da xicara traz-me gosto de passado, 

Meio dia e ainda estou sentada no mesmo lugar, -já amanheceu onde era madrugada- o dia vive rápido e eu ainda a pensar o que fazer para o almoço,

Não tenho fome, queria outro café, - o pó acabou – 

O cachorro do meu vizinho latiu, reconheceu o cheiro do dono que abriu a porta, -mas que horas devem ser?-

O céu escureceu, ainda estou sentada no mesmo lugar, - já não escuto mais os pássaros, 

A madrugada está aqui e eu ainda não sei o que fazer para o almoço...

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Unhas vermelhas

 A ousadia tomou conta de mim, sucumbi ao desejo de transgredir.

Ultrapassei as barreiras da decência estabelecida, das prisões sem grades, das amarras impostas,  

Senti o desejo arder-me pelas pernas até encontrar o alivio nas pontas de meus dedos trêmulos de rubras terminações, 

A boca seca seguiu a caça de teus lábios famintos, ávidos de prazer

E na insaciável busca nos deleitamos frenéticos, entrelaçados,

Corpos suados, jogados, adormecem no apagar do sol e no nascer da lua que o quarto ilumina pela discreta fresta da janela...